quinta-feira, 23 de maio de 2019

A força de Dalila


A tarde se estendia. Chuva mansa acariciava os canteiros de miosótis. Deixou-se ficar olhando as gotas descendo pela vidraça. Antes, não se importava de estar ali. Havia muito tempo não sentia nada. As sensações morreram quando ainda era criança. Debaixo do cinto e do sexo do pai. As meninas da casa diziam-lhe que alguns homens as faziam tremer. Com ela nada acontecia. Deitava-se com todos os homens nos quilômetros que separavam a fome e as míseras notas que garantiam o sustento da família. Homens suados e de mãos invasivas. Entregava-lhes tudo. Até conhecer Júlio. Sem que percebesse, a chuva parou. Como começara. Mansa e silenciosa. Vestiu-se. Olhou o quarto. O cheiro de lavanda barata a fazia sentir-se limpa. Reservara aquela noite para ele. Queria esperá-lo como se ele fosse seu primeiro homem. Pensou nos olhos de Júlio brilhando nos seus. Alto e magro. Sorriso enfeitando o rosto de pelos ralos. Um fio de calor começou a correr dentro dela. Parou ali entre as pernas. Cresceu. Sorriu. Enfim, reagia. Nascia a fome de ser tomada, mastigada, engolida. Gargalhou. Outra vez. E de novo. Até que a porta se abriu. E veio a notícia. Ela agora seria exclusividade do maior fazendeiro da região. Nenhum outro homem subiria ao quarto dela. Olhou a tarde morrendo lá fora. O grito triste da juriti entrou-lhe pelos ouvidos. E a fome dos irmãos ecoou em notas fúnebres. A mulher dentro dela mal nascera e já morria ali. Podia ouvir até os sinos anunciando o cortejo. Sem choro, sem flores, sem velas.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Ao acaso

O vinho escorre por entre seus seios: fio comprido, cor de âmbar, forma poça entre os pelos. A boca do homem, beira a vulva à espera – l...