Com o rosto entre as mãos, sentou-se aos pés da
cama. Finalmente tomara a decisão. Nunca mais veria o armário ser esvaziado.
Nunca mais a solidão invadiria lençóis amarrando-o aos dias vazios. Havia se
rendido a ela. Aceitou sua volta em silêncio. Como das outras vezes. Como se as
longas ausências não tivessem estraçalhado com sua autoestima e definitivamente
o transformado num arremedo de si mesmo, num monte de medos. Aceitou sua volta
escondendo o quanto a queria. O quanto suas mãos precisavam fechar-se em volta
dela. Suas mãos sempre foram instrumentos do prazer da mulher. Os gemidos dela
faziam sua boca secar e o sexo doer, enquanto permanecia mudo, covardemente
mudo. Excitava-se com a excitação dela. Mesmo quando se negava a ele. Quantas
vezes ele tivera que se satisfazer tocando-se, tocando-se, enquanto a olhava
masturbar-se e gritava o nome de outro. Feri-lo era o maior prazer dela. Era
seu capricho transformá-lo naquele monte de merda que boiava nas águas do
sofrimento e da castidade que lhe impunha. Não se arrependia de ter-lhe feito
todos os caprichos. Mas chegara ao limite, aquela tênue linha que separa a
sanidade do nonsense. Uma linha que ele esticara diversas vezes até tê-la
arrebentada, trazendo-lhe de volta o orgulho. Ela fora sua única mulher. Única.
Sofreu com os mistérios que a cercavam, mas sabia que para tê-la tinha que
aceitar aquela ferida aberta sangrando diariamente seu amor-próprio. Tinha que
engolir os silêncios que respondiam suas perguntas. Tinha que continuar
vomitando escondido o fel do ciúme. Ao acordar, existia sempre aquela boca ao
lado da sua. Aqueles seios arrogantes a ditar-lhe ordens. E ele, vassalo,
tirando-a dos sonhos com a língua em seu corpo. Invariavelmente, ela lhe
agarrava os cabelos até arrancar-lhe um grito de dor. Cuspindo-lhe insultos,
fechava-lhe as pernas e mandava-o se masturbar. A raiva fazia seu sexo doer. Em
movimentos fortes e rápidos, ele esvaziava-se daquele sêmen covarde, lambuzando
barriga, coxas e pernas da mulher. O prazer da vingança durava até ela exigir
que a limpasse com lambidas rápidas. Ele sentia seu próprio gosto e a
humilhação devassava o que lhe restava de respeito próprio. Depois deitava-se
ao seu lado. Era o que importava. Fechava os olhos e inspirava sua respiração.
Alimentava-se da esperança de cada dia que nascia nela. Até que, enfastiada,
empurrava-o para o chão e se vestia para outras vidas. Também não se arrependia
agora do ato final. Estavam ambos descansados daquela inquietude que fazia da
mulher um frio algoz, o que levava seu coração a espremer-se no peito. Outra
despedida ele não suportaria. Não mais a imaginaria dividindo lençóis, somando
bocas, multiplicando gozos. Não mais se sentiria morrendo, lenta e
dolorosamente, naquelas incontáveis horas de espera. De agora em diante, seguiriam
separados. Não por obra da vontade dela, mas pela indestrutível necessidade
dele. Deu uma última olhada no vermelho que escorria aos seus pés. Finalmente
dormiriam sob o mesmo teto. Ela debaixo dele, como nunca estivera. E ele a
caminho do inferno.
quinta-feira, 23 de maio de 2019
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