quinta-feira, 23 de maio de 2019

Ato Final


Com o rosto entre as mãos, sentou-se aos pés da cama. Finalmente tomara a decisão. Nunca mais veria o armário ser esvaziado. Nunca mais a solidão invadiria lençóis amarrando-o aos dias vazios. Havia se rendido a ela. Aceitou sua volta em silêncio. Como das outras vezes. Como se as longas ausências não tivessem estraçalhado com sua autoestima e definitivamente o transformado num arremedo de si mesmo, num monte de medos. Aceitou sua volta escondendo o quanto a queria. O quanto suas mãos precisavam fechar-se em volta dela. Suas mãos sempre foram instrumentos do prazer da mulher. Os gemidos dela faziam sua boca secar e o sexo doer, enquanto permanecia mudo, covardemente mudo. Excitava-se com a excitação dela. Mesmo quando se negava a ele. Quantas vezes ele tivera que se satisfazer tocando-se, tocando-se, enquanto a olhava masturbar-se e gritava o nome de outro. Feri-lo era o maior prazer dela. Era seu capricho transformá-lo naquele monte de merda que boiava nas águas do sofrimento e da castidade que lhe impunha. Não se arrependia de ter-lhe feito todos os caprichos. Mas chegara ao limite, aquela tênue linha que separa a sanidade do nonsense. Uma linha que ele esticara diversas vezes até tê-la arrebentada, trazendo-lhe de volta o orgulho. Ela fora sua única mulher. Única. Sofreu com os mistérios que a cercavam, mas sabia que para tê-la tinha que aceitar aquela ferida aberta sangrando diariamente seu amor-próprio. Tinha que engolir os silêncios que respondiam suas perguntas. Tinha que continuar vomitando escondido o fel do ciúme. Ao acordar, existia sempre aquela boca ao lado da sua. Aqueles seios arrogantes a ditar-lhe ordens. E ele, vassalo, tirando-a dos sonhos com a língua em seu corpo. Invariavelmente, ela lhe agarrava os cabelos até arrancar-lhe um grito de dor. Cuspindo-lhe insultos, fechava-lhe as pernas e mandava-o se masturbar. A raiva fazia seu sexo doer. Em movimentos fortes e rápidos, ele esvaziava-se daquele sêmen covarde, lambuzando barriga, coxas e pernas da mulher. O prazer da vingança durava até ela exigir que a limpasse com lambidas rápidas. Ele sentia seu próprio gosto e a humilhação devassava o que lhe restava de respeito próprio. Depois deitava-se ao seu lado. Era o que importava. Fechava os olhos e inspirava sua respiração. Alimentava-se da esperança de cada dia que nascia nela. Até que, enfastiada, empurrava-o para o chão e se vestia para outras vidas. Também não se arrependia agora do ato final. Estavam ambos descansados daquela inquietude que fazia da mulher um frio algoz, o que levava seu coração a espremer-se no peito. Outra despedida ele não suportaria. Não mais a imaginaria dividindo lençóis, somando bocas, multiplicando gozos. Não mais se sentiria morrendo, lenta e dolorosamente, naquelas incontáveis horas de espera. De agora em diante, seguiriam separados. Não por obra da vontade dela, mas pela indestrutível necessidade dele. Deu uma última olhada no vermelho que escorria aos seus pés. Finalmente dormiriam sob o mesmo teto. Ela debaixo dele, como nunca estivera. E ele a caminho do inferno.

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